domingo, novembro 24, 2019

One Medicine/Zoobiquity

“Temos que estreitar relações, ”melhorar a partilha de dados”,” intensificar as ações conjuntas”, “trabalhar em parceria”, blá, blá, blá. Ao fim de algumas décadas creio que este discurso, ainda que carregado de boas intenções, não nos conduzirá certamente a bom porto. Que me desculpem os envolvidos, mas para mim, menos envolvida e mais entusiasta, isto parece-me evidente. Chegou a altura de passar das palavras aos atos e não meros atos falhados. Outros países passaram por isto e desenganem-se colegas, os nossos parceiros da saúde humana têm de um modo geral menos sensibilidade para estes temas. Por questões inerentes à sua profissão e derivadas da atual organização da sociedade, acabam apenas por cuidar de uma só espécie, na maioria dos casos inseridos num habitat humano, prestando pouca atenção a outras interações, ambientais ou interespécies. Para nós médicos veterinários a One Health está verdadeiramente inscrita no nosso ADN, sabemos isto desde muito cedo, apenas precisamos de a operacionalizar para que a colaboração seja verdadeiramente eficiente. 
A minha proposta, de forma a não me alargar em demasia, é simples e concisa. A saber:
1.A Direção Geral de Saúde deve incorporar na sua estrutura principal um médico veterinário. Eventualmente a aposta certa será criar ou idealmente integrar um departamento de zoonoses e doenças transmitidas por vetores dirigido por um médico-veterinário. O Centro de Estudos de Vetores e Doenças Infeciosas, CEVDI do Instituto Ricardo Jorge faz este trabalho e muito bem há cerca de 30 anos. A questão é mais uma vez mais não estar diretamente envolvido na tomada direta de decisões pela Direção Geral de Saúde em termos de saúde pública.
Esta ideia não é um devaneio, foi o caminho seguido pelo Center for Disease Control and Prevention - CDC quando em 1999 Tracey McNamara, médica veterinária e patologista do Zoo de Bronx isolou pela primeira vez o West Nile Virus nos EUA. Mais tarde este departamento evoluiu para uma estrutura de maior dimensão e importância chamado National Center for Emergency and Zoonotic Infectious Diseases
2. Têm que ser criados e implementados com a máxima urgência planos de segurança comuns entre saúde humana e animal:
Epidemias em caso de catástrofe;
Epidemias por zoonoses – criar uma plataforma online onde deve ser introduzida informação numa perspetiva interespécies (animais mortos, monitorização de pássaros com relevância na transmissão de zoonoses);
Anti Microbial Resistance  - AMR/Resistência aos Anti Microbianos – RAM.
Urge que atuemos já que, os vírus, bactérias e demais agentes etiológicos não têm prurido em mudar de hospedeiro ou via de entrada. É tudo uma questão de sobrevivência. 

Embora esta área das zoonoses e AMR/RAM exija claramente resposta eficaz e urgente, a One Health/One Medicine está longe de se encerrar por aqui: existem várias áreas em que as sinergias são extremamente úteis para ambas as saúdes: oncologia, comportamento, osteoartrite e outras. Atualmente muitos grupos de trabalho desenvolvem estudos paralelos na mesma linha de investigação. Recomendo a todos a leitura do Livro Zoobiquity de Barbara Natterson-Horowitz e Kathryn Bowers. Muito inspirador, sério e refrescante.